Amiúde

Crio este blog com duas certezas: a vontade de escrevê-lo vai passar e em algum momento, ainda que longínquo, vai voltar. Não espere encontrar mais do que textos desinteressantes de um jornalista desinteressado. A ver.

Saturday, April 28, 2007

Prazer, Otavio

Algumas situacoes inusitadas, infeliz e definitivamente, nao podemos evitar.

Nos ultimos seis meses minha cedula de identidade nao sofreu qualquer alteracao, mas o mesmo nao se pode dizer do meu nome.

Primeiro foi na gira sul-americana da Copa Petrobras.

No Uruguai e Argentina, que desconfio serem o mesmo pais, a mudanca foi sutil e compreensivel. A partir do terceiro dia ja me apresentava como "Octabio", afim de nao lutar contra o inevitavel.

No Paraguai ocorreu nao mais que uma pequena - mas inexplicavel - adaptacao. Virei plural. "Hola, mi nombre es Octabius".

Veio, entao, a viagem a Toronto - e com ela o novo sotaque. Nao se poderia esperar que a familia canadense, anfitria, fizesse diferente; mas depois de dois meses ainda provocam risos sufocados os gritos de "Oteeeeivios, diiiiiiner".

Ate ai tudo bem.

Mais surpreendente foi o que um amigavel japones, colega de classe, fez com meu nome. Depois de 40 dias descobri que quando ele falava "Ataja", referia-se a mim.

Resolvi tentar arrumar a situacao.

- Come on, repeat "O"

- "O"

- "Ota"

E ele:

- "Ota"

Eu, esperancoso:

- "Otavio"

A ducha de agua fria:

_ ... "Ataaja"!

Paciencia. Ele e esforcado e ja esta mais perto - ou menos longe - da pronuncia ideal.

Enquanto isso, "Otarjo" fica de bom tamanho.

Tuesday, April 10, 2007

Reflexoes sobre o Nosso Heroi

Sao Paulo e Toronto sao definitivamente muito diferentes. A primeira é uma megalopole com mais de 20 milhoes de habitantes, encontro do primeiro com o terceiro mundo. A segunda nao tem mais do que 3 milhoes de moradores e acaba de ser eleita uma das 15 melhores cidades do planeta para se viver.

Uma semelhanca, contudo, salta aos olhos. Ambas orgulham-se do multicuturalismo que raramente desemboca em intolerancia. A capital paulista, além de receber gente de todas as partes do pais, abriga grandes comunidades japonesas, chinesas, italianas etc. Na maior cidade do Canada, uma corrida de onibus é o suficiente para encontrar pessoas nascidas na India, Eritreia, Tailandia, Coreia do Sul, Grecia, Polonia.

Como pragas, espalham-se pela cidade os estudantes estrangeiros, avidos por aprender definitivamente o ingles. Ninguem parece saber ao certo a razao, mas grande parte deles é formada por suicos. No pequeno pais dos chocolates, fondues e Roger Federer, alias, estao as recem-eleitas campea e vice no ranking das cidades com melhor qualidade de vida. A saber, Zurique e Genebra.

Toda essa introducao chata para a seguir desfazer alguns mitos. A convivencia com gente de toda a parte do mundo nos faz repensar o que se entende por brasileiro médio. A auto-estima desse nosso personagem sabidamente é instavel e facilmente influenciavel. Num dia o pais tem o melhor futebol do mundo, musica contagiante, pessoas exrovertidas e outros chavoes; no outro o povo é ignorante, incompetente, lei de gerson e bla-bla-bla.

SUMIRAM COM FIDEL

Levante a mao quem nunca ouviu que o estudante brasileiro é indisciplinado, ao contrario dos asiaticos, em especial japoneses e coreanos. Pois bem: longe de casa, num outro mundo, sem as mesmas pressoes sociais, as pessoas acabam descobrindo muito sobre si mesmas e sendo mais honestas com suas proprias vontades. Nao posso garantir sobre o que acontece na Asia e na Europa, mas aqui a preguica, a irresponsabilidade e falta de comprometimento nao sao privilegio de nenhuma nacionalidade.

Sim, os coreanos, suicos, alemaes, todos festejam durante a semana, bebem mais do que podem e por isso perdem aulas, provas e atividades pre-programadas. E, se fazem isso em proporcao diferente de brasileiros, colombianos e mexicanos, a disparidade é tao pequena que acaba sendo imperceptivel. Ah, e os campeoes no quesito fura-fila, ao menos no meu circulo social, sao os espanhois. "Jeitinho espanhol"?

Mas, enfim ao que deveria ser o lide.

Levante a mao - de novo! - quem nunca participou de uma aula de ingles na qual o professor divide a classe em grupos e propoe uma especie de competicao baseada na gramatica estudada naquele dia. Na segunda semana de curso, aconteceu numa dessas atividades ordinarias um episodio que me deixou atonito.

Naquela manha a neve caia forte e a temperatura nao passava dos -10. Isso - so pode ser - deve ter congelado cerebros na Bloor Street. Enquanto o freezer seguia ligado la fora, dentro da classe a ordem era preparar preparar frases que descrevessem uma pessoa, lugar ou evento. Os outros grupos tentariam adivinhar de quem ou o do que se tratava.

Como eu nao aguentava mais falar sobre carnaval e futebol, decidi logo fazer uma frase sem envolver o Brasil. Tentei pensar em alguma personalidade polemica, que tivesse estado nos jornais e livros de historia por muito tempo, de maneira que fosse conhecido por gente de todas as culturas.

"Let's start with the brazilian, they are always easygoing. Read a sentence Otavio", pediu a professora. Foi entao que li algo mais ou menos assim: "This man, who has been in charge in Cuba since 1959,...". Foge-me a continuacao, mas todos sabem - ou deveriam saber sem hesitar - que se trata de Fidel Castro.

Esperei a resposta, mas as pessoas ficaram em silencio. Achei que era so timidez, falta de vontade de participar. Mudei de ideia quando vi as expressoes de "nao faco a menor ideia". A professora se desesperou e deu algumas dicas. "Uniforme militar, barba comprida." E nada. Ela mesma se encarregou de dar a resposta. "The commie, Fidel Castro". Dois ou tres reagiram com um "Who?". Mas o que chamou mais a atencao foi o tipico "oooooooooooooohhh", frequente quando japoneses e coreanos ficam surpresos.

Eram 12 pessoas na classe, entre eles alguns universitarios e bachareis. Todos, em seus respectivos paises, receberam uma educacao basica de dar inveja ao nosso heroi, o Brasileiro-Médio. Nao sei qual é precisamente a resposta para essa falta de informacao. Talvez tenham se voltado mais para a propria historia e insuficientemente para o que acontece em outras partes do mundo.

Em seguida tive de dizer a data precisa da explosao da bomba de Nagasaki.

- Sorry...

E mais uma vez:

- Oooooooooooh!!!!!!

Pelo menos essa a professora tambem nao sabia.