Amiúde

Crio este blog com duas certezas: a vontade de escrevê-lo vai passar e em algum momento, ainda que longínquo, vai voltar. Não espere encontrar mais do que textos desinteressantes de um jornalista desinteressado. A ver.

Friday, October 27, 2006

Jogadores na Estrada. De Terra.

(Com acentos e foto em
http://www2.uol.com.br/tenisbrasil/profissional/entrevista/entrevista%20marcelo%20melo.htm)




De Montevidéu

Já era noite em Cuenca, Equador, quando o tenista mineiro pegou um onibus em direçao a Quito, depois de jogar mais um challenger. Um árbitro, convidado a fazer a mesma viagem, recusou. “Nao quero morrer”.

— Foi aterrorizante. Uma viagem de 7 horas em estrada de terra onde nao havia uma iluminaçao, uma alma viva na rua e com o onibus deslizando nas curvas ao lado dos barrancos. Pensei que seríamos assaltados. Colocaram pedras no caminho para que tivéssemos de parar, mas o motorista passou por cima e só parou mais à frente para verificar os danos. Tomei cinco Dramins e nao consegui dormir, fiquei o tempo todo de olho fechado, sozinho, abraçando a minha raqueteira. Mas nao podia esperar o próximo voo, que era só em cinco dias.

A experiencia narrada por Marcelo Melo foi apenas mais uma de tantas vividas por quem tem de se submeter a todo tipo de adversidade para seguir na profissao com que sempre sonhou. No último domingo, o jogador de 23 anos contou mais um capítulo da sua volta por cima após viver momentos delicados, que o fizeram pensar em por fim à carreira. Ele conquistou em Bogotá o terceiro título seguido de duplas, modalidade em que vem se especializando.

No primeiro semestre, Melo perdeu 11 partidas em sequencia jogando torneios na Itália. Essa é a parte que qualquer um que acompahe o noticiario do tenis brasileiro regularmente já deve conhecer. O outro lado da história, que ajuda a explicar o retrospecto sofrível, ele contou em Montevidéu, onde disputa a etapa uruguaia da Copa Petrobras.

— Eu nao tinha mais nada de dinheiro. Tive de abrir mao dos torneios em quadra rápida (onde se sai melhor) para ir fazer dinheiro com Interclubes na Itália. Às vezes jogava o Interclubes no sul no domingo e na segunda tinha future no norte. Dormia no aeroporto e ia jogar numa quadra que nao gosto, cansado. Duas vezes cheguei ao torneio apenas meia-hora antes do jogo. Ninguém quer perder 11 seguidas, pensei em parar, mas depois de dois dias voce reflete e volta com mais força.

O jogador caiu no ranking, perdeu a confiança em razao dos maus resultados, mas conseguiu o dinheiro para viajar no segundo semestre em busca de pontos. E a sorte começou a virar em julho, no challenger de Campos do Jordao, quando uma série de coincidencias o colocaram na chave de duplas ao lado do experiente André Sá. Juntos, ficaram com o título do torneio e na semana seguinte fizeram o mesmo em belo Horizonte. Em Joinvile, na sequencia, ficaram com o vice.

Atualmente, Melo é o 119o do mundo na modalidade. Chegou à final dos últimos cinco eventos que disputou e já conquistou nove torneios em 2006, cinco challengers e quatro futures. Os bons resultados recentes já fazem o jogador pensar em realizar o maior objetivo como profissional.

— O grande sonho é disputar a Copa Davis. Claro que ainda estou ganhando experiencia, amadurecendo para isso, mas é algo em que penso, sem dúvida.

O mineiro tem atributos para o jogo de duplas: 2m02 de altura, um poderoso saque e bons voleios, que classifica como seu melhor golpe. Ele explica como suas características se encaixam perfeitamente com as de Sá.

— Ele devolve saque muito bem, eu saco forte, entao a gente se completa. Temos muita liberdade em quadra um com o outro, já que o conheço desde que eu tinha 3 anos de idade e ele ia à minha casa. Nossas familias se conhecem e ele jogava com o meu irmao Daniel, que nao viaja mais o circuito.

Melo conta que aos 4 anos já pasava “o dia inteiro” jogando paredao. Um pouco mais velho, quando seu pai o levava ao Minas Tenis Clube aos fins de semana, completava os jogos de duplas na ocasiao de faltar um jogador. E assim começou a tomar gosto pela modalidade.

— Sempre gostei de jogar duplas e sempre me dediquei a ela, coisa que muitos jogadores nao fazem. Normalmente treino direcionado para as simples, mas agora estou me especializando e isso pode mudar. No ano que vem é possível que eu dispute alguns ATP por causa do meu ranking. Se entrar direto na dupla e nao pegar nem quali na simples, nao há problema, vou privilegiar a dupla.

A possibilidade de com Melo o Brasil voltar a ter um atleta jogando frequentemente torneios de primeira linha, ainda que em duplas, é concreta. Mas, enquanto essa hora nao chega, o jogador de Belo Horizonte ganha experiencia com alguém que já brilhou nas mais importantes competiçoes do planeta.

Em setembro, uma semana antes da Copa Davis, ele treinou com ninguém menos que Gustavo Kuerten. O catarinense corria contra o tempo para recuperar minimamente a forma e disputar o jogo de duplas no confronto com a Suecia.

— Era impresionante, a gente treinava uma hora, mas muito intenso, aí o Guga fazia mais cinco horas de fisioterapia e quando dava a gente voltava para a quadra. Vendo um cara como ele, que nao precisa provar mais nada, fazer tudo aquilo, vi que eu tinha de me esforçar igual. O Guga é muito humilde e nao pensa só nele. Até teve uma vez que ele nos deu uma bronca, quase matou a gente, porque paramos em cima da faixa de pedestre.

Na semana que vem, Melo viaja para outro torneio. Nao vai haver onibus deslizando perto dos barrancos, tentativa de assalto na madrugada ou noite mal dormida no aeroporto; tampouco vai haver a premiaçao milionaria de um Grand Slam ou os holofotes podorosos que perseguiam Kuerten na época do auge. O que é certo é que o garoto de 2m02 vai fazer o máximo para dar mais um passo, pequeno e seguro, em direçao aos seus sonhos.

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